Virgínia Barbosa Leal

    “Você esqueceu que deu certo muito antes de dar errado, e deu por muito tempo. O errado só veio agora e só falamos dele.” Bruno Fontes    Temos a tendência de achar que o amor fracassou porque terminou. Assim, desvalorizamos toda a jornada  de convivência só porque não foi adiante.     O amor é plástico, se ajusta à anatomia do relacionamento, e muda à medida que o vínculo toma nova forma.  Ele floresce pelo carinho, cuidado, interesse, mas se esconde pelo ódio, indiferença, descaso. Se esconde, mas não acaba. Você pode retirar  seu amor da relação, mas não pode exterminá-lo.    Nem toda relação acaba por falta d e amor, muitas vezes ela sucumbe porque não se soube nutri-la, pelo desgaste provocado pelo desrespeito, por insatisfação ou por desejos conflitantes do par.       Para vencer a dificuldade de sair de onde não mais lhe cabe, é comum  se concentrar em lembrar só das coisas ruins, a pessoa teme recorda...

Foi quando eu me perguntei: como  eu agiria se não houvesse amanhã?  Para pessoas de idade avançada,  a possibilidade de não ter amanhã  é um fato. Quem se encontra com doença terminal, também.   Isso deveria ser considerado  por qualquer pessoa, não importa  a idade ou o estado de saúde.  Acordar no dia seguinte não é garantido.    Ademais, o futuro é apenas  uma probabilidade, uma expectativa  que pode não se cumprir. A única realidade é o hoje, nele estaremos enquanto estivermos vivos.    Por isso eu deveria viver como  se não houvesse o amanhã, porque  de fato, não há, pois, ao chegar o dia seguinte, ele se converte em agora.    Para quem não tem amanhã,  o hoje é importante e o tempo  valorizado. A cada dia acorda  pensando em como melhor aproveitá-lo, não o desperdiça com preocupações. Não fomenta mágoa e ressentimento, priorizaria o amor e as relações.  Por isso cuido de ...

  Palavra tem poder   Quando meu irmão caçula morreu, não me disseram que ele tinha morrido.  Eu era bem pequena e devo ter ficado confusa porque ele foi ao hospital e não voltou. Imagino que eu queria que  ele desaparecesse para eu voltar a ser caçula e como me pareceu que   isso aconteceu, presumo que senti culpa. A partir de então eu queria ser invisível, porque temia desaparecer como   meu irmão se fosse vista. Traduzindo isso   em uma frase, passei a afirmar   que sou invisível.     Por muito tempo me escondi até  de mim mesma, era retraída e falava pouco. No entanto, a necessidade de interagir me fez sair do esconderijo, mas quando era censurada voltava a meu refúgio. Ficava alternando entre me exibir e me ocultar, ora por medo de desaparecer, ora por medo de punição.   A palavra é uma força criadora que materializa o que penso ou imagino.  Ao afirmar algo a meu respeito, cristalizei a palavra de tal forma que ela pa...

    Sempre fui uma pessoa ativa, decidida, empreendedora, e essa forma de ser muitas vezes é um sério obstáculo para discernir quando devo agir ou quando devo me omitir.   Se não agir já é uma ação difícil para mim, é desafiadora quando envolve filho. Me arvoro na condição de salvadora  da pátria, aquela que sabe o que é melhor para ele, tiro sua autonomia e ajo movida pelo medo dele tomar a decisão,   a meu ver, equivocada. Ao fazer isso, minha capacidade de discernimento e avaliação fica comprometida.     Essa atitude dificulta o seu amadurecimento, aprender com os erros, assumir responsabilidade por eles, pagar o preço pelas escolhas.   Por outro lado, dou sinais inequívocos  de que não confio no seu discernimento, principalmente quando a decisão pode me trazer prejuízos financeiros.   Por todos esses motivos, a não intervenção é uma iniciativa sanadora  da minha relação com ele, promoverá  o crescimento pessoal de ambos. ...

  Vida é a força motriz que anima cada ser em sua trajetória entre o nascimento e a morte. Cada ação, pensamento e sentimento repercute na vida como um todo e causa efeito, mas o humano ignora como se processa a força geradora que aciona as engrenagens desse motor e qual o produto resultante. Vida é choque de forças, atrito, fricção, é romper e refazer, desmoronar para edificar, é começar mais uma vez, perdoar mais um vez, dar mais uma chance. Vida é engenho que move esperanças, alegrias, tristezas, regalias, tudo junto e misturado. E tudo acontece indiferente ao que penso e sinto, a meus anseios e medos. Por esse motivo, a vida é sempre um risco para minhas pretensões e expectativas, porque a forma como interajo com ela vai determinar sua resposta. A vida é risco de mortes pequenas e grandes, provisórias e definitivas, é risco de perder e lamentar. Às vezes me pesa, outras me é suave. Ela não se importa com meus desejos e anseios, segue serena seu fluxo, revolve e impulsiona a ex...

  “A explosão masculina sempre existiu, mas a feminina era entendida como patologia e não um sinal de virilidade. No homem era personalidade firme, na mulher, descontrole emocional.” Cortella Tive um parceiro que sabia exatamente como me desestabilizar: me provocava amiúde, de sorte que eu me exacerbava com frequência. E ainda usava de ironia ao dizer que “quem perde a calma, perde a razão.” As consequências do abuso psicológico foram perda de autoestima e depressão, devido à atitude reativa que passei a ter com qualquer coisa. O tempo para mim se arrastava e só confirmava minha menos valia. A imagem pública que criei foi a de uma pessoa agressiva e desequilibrada, ao passo que o parceiro era tratado como vítima. Por outro lado, a atitude dele me confundia. Era admirado até por minha família como aquele sempre disponível a ajudar, e cuidava dos filhos melhor do que eu. Agia assim para esconder e ser tolerado em suas ações tóxicas. Para não me sentir a pior das criaturas e por inter...

    Desenho a realidade com o lápis  do imaginário, enquanto pinto o presente com as cores do futuro. Transito  no tempo com os pés no chão  e a cabeça nas nuvens.     Cada palavra derramada esvazia imagens do que fui um dia. Um suspiro de alívio, outro de lamento, o corpo se recompõe.    Desfio o manto de ilusões que um dia  me aqueceu e um sopro gélido  me desperta para o sonho. Todas  as linhas traçadas se embaraçam com  o vento da mudança que tudo revolve. Não há lança nem arco, me falta pulso. Piso com leveza, na esperança do vácuo me engolir.    Enquanto desliso sobre o rio da vida, colho flores e espinhos. Em cada porto deixo bagagens que me pesam  e embarco em meu interior de mãos vazias.     Não temo a tempestade porque sou feita dela, nada em mim é manso.  Cada pessoa que encontro na viagem  é uma pista de quem sou, e quando aporto memorizo o percurso que fiz para me situar onde...

  Há momentos em que as coisas começam a dar errado em minha vida,  e percebo que isso é construção minha, ainda que inconsciente, é auto boicote.    Quando isso se dá, sei que me culpo,  a culpa está oculta e é a razão  da consequente tentativa de punição.    A culpa não elaborada, aquela que não sei de quê,  tem consequências desastrosas. A culpa é oculta porque não quero admitir o erro, por não suportar ver em mim esse aspecto deletério,  a meu ver abominável. E por não  o aceitar, não me permito me arrepender, e não me arrependendo, não me movo para repará-lo.    A consequência dessa atitude é um clima emocional de angústia e confusão, que só melhora quando lembro o que  me fez sentir assim.    Se eu não admito para mim mesma  o erro, como vou confessá-lo  a outra pessoa? Como vou reconhecê-lo diante de quem causei dano?    A culpa inconsciente, aquela que faz com que eu não me s...

  O senso comum entende por refinamento a qualidade da pessoa que tem uma educação apurada, que atende às regras de etiqueta, que é elegante.   Falo do refinamento que separa o joio  do trigo. Refinar, no sentido de eliminar  as impurezas e buscar a essência  das coisas.    Praticar o refinamento não é ter o paladar sofisticado, não é vestir-se com elegância e com roupas finas, ou ser especialista em obras de arte. Esse tipo  de refinamento não está ao alcance   de todos.     Refinamento tem a ver com sensibilidade para contemplar e apreciar coisas simples como o pôr do sol, a noite estrelada, uma música tocante, um belo poema, ser tocado pela arte.   Refinamento dos sentidos, como olhar apurado e atento, olfato que capture  o odor de da flor, o cheiro da terra,  escuta solícita, paladar que aprecie  o gosto do que está sendo ingerido.    Refinamento que alimente a alma com prazeres edificantes, co...

  “O rancor e o ressentimento é um excesso de memória... quem guarda é quem sofre. Esquecer e seguir é sinal de saúde. “ Viviane Mose A minha memória era prodigiosa. Lembro que no teste psicotécnico eu lembrei de todas as imagens que me foram apresentadas. No entanto, minha memória afetiva era falha, esquecia até de coisas boas que vivi, e não lembrava nem quando alguém mencionava alguma dessas coisas. Memória e esquecimento, são facas de dois gumes. Se a memória é importante e útil para lidar com as coisas do dia a dia, para aplicação do conhecimento, lembrar de eventos traumáticos é desestruturante. O esquecimento muitas vezes é meio de sobrevivência psicológica se a consciência não é capaz de suportar a lembrança. Guardar ressentimento pela ativação constante da memória é reviver a experiência dolorosa com a intenção de não perdoar. Por outro lado, esquecer o que me fez mal sem antes compreender e processar o ocorrido, causa danos. O gatilho emocional disparará a mesma reação v...

  “Reconhecemos na pessoa que amamos uma imagem muito antiga que gravamos no íntimo de nosso ser... Não existe amor sem reconhecimento” Octávio Paz Esse pensamento ressoou profundo em mim. É verdade que não existe amor se não reconhecemos o outro em sua singularidade. Isso não é amor e sim paixão. Na paixão não vemos quem o outro é, mas alguém que gostaríamos que ele fosse, e que não é ele. O amor importa em reconhecer o outro e ser reconhecido. Reconhecer é conhecer de novo, por isso resgatamos “uma imagem muito antiga que gravamos no íntimos de nosso ser.” É também ser capaz de ver a pessoa como ela é, alguém único para mim. Sob esse prisma, sabemos como é difícil amar de verdade, porque dificilmente estamos interessados em saber quem o outro é, queremos que ele seja a imagem que projetamos nele. Ser reconhecida naquilo que sou, em aspectos que nem mesmo eu ainda reconheci em mim, deve ser uma experiência gratificante e ao mesmo tempo assustadora. É como se o outro tivesse penetr...

  Não temos uma visão fidedigna da realidade, o que vemos não é o que é. Isso se destaca quando olhamos para alguém. Nosso olhar tem filtros que criam o perfil do observado, tais como presunções que criamos a partir das experiências boas ou ruins que tivemos com ele, projeção que fazemos de nossas expectativas ou defesas. Acresça-se a isso crenças individuais, a forma como ele nos afeta, rigidez moral ou o excesso de alargamento dela, preconceitos. As pessoas tendem a julgar os outros por atitudes isoladas e a partir daí traçam seu perfil. Feito isso, engessam a imagem que criaram do outro e não conseguem perceber eventuais mudanças que ele faça. A mente não gosta de insegurança, por isso cria um sistema de análise quase matemático que responde ao estímulo recebido. O grande dificultador de ver a pessoa como ela é, ou pelos menos de se aproximar disso, é não renunciar às certezas e não estar interessado em conhecer de fato o outro. Ao saber disso, não deveríamos levar tão a sério...

  “O rio atinge seus objetivos porque ele aprendeu a contornar obstáculos” Lao Tsé Obstáculo é algo que me impede ou me atrapalha o movimento. A experiência me mostra que muitas vezes confundo desafio com obstáculo. Tudo que me dificultava a vida eu chamava de obstáculo. Às vezes o obstáculo era ilusório, a trava para seguir estava dentro de mim, outras vezes eu criava o impedimento ao perder oportunidades, ou ao deixar passar o momento de agir. A manipulação cria uma corrente de pressão que dificulta ou obsta a travessia. O medo é o estorvo que pode dificultar prosseguir os objetivos. Resistência e estagnação não são obstáculos, são oposições ao movimento da vida. Qualquer oposição a ele uma hora é vencida pela força da corrente vital. Há obstáculos que não se vence confrontando-o porque pode aumentar a resistência, outros se dissolvem com o tempo, alguns não podem ser transpostos, é preciso contorná-los. Aprendi que a vida não cria obstáculos, ela os ultrapassa. A dificuldade é m...

  “Quem escreverá a história do que poderia ter sido, o irreparável do meu passado, esse é que é o cadáver.” Fernando Pessoa Quem não já teve um momento na vida em que se questionou: “se eu tivesse feito outras escolhas, como teria sido”? Quem, num momento de insatisfação com a vida que estava levando, não se arrependeu do caminho que escolheu? Às vezes me pego pensando em respostas que não dei, em atitudes que não tomei, como se quisesse refazer minha história de vida. Essa é a dúvida que nunca será esclarecida. Eu posso até imaginar como seria, mas o fato é que nunca saberei, porque cada movimento feito é irrepetível e repercute em mim, em meu entorno, e até no universo. Escolher é renunciar às demais alternativas. Eu posso até mudar de rumo e tentar fazer o percurso que não optei, mas esse será outro diverso daquele, porque o tempo não será o mesmo, as oportunidades serão outras, eu serei outra. Não há como recuperar o que se perdeu no passado, esse jaz na memória. Lamentar o qu...

  Solidão   O ser humano é gregário, talvez por  essa razão, para maioria das pessoas,   a solidão causa dor. Não é comum querer e gostar de estar só, e assim fosse não seria solidão e sim solitude.    Tem relacionamentos em que o casal não  se separa por medo da solidão. Posso pensar em pelo menos uma razão para esse medo. Quando a pessoa está só consigo mesma não pode atribuir ao outro   o impedimento de ser feliz,   de se aventurar a sair de um emprego que não está satisfeito e de fazer o que gosta, por exemplo.    Digo de novo, quando me separei percebi o quanto eu e ele estávamos emaranhados, e ao separar o que era meu do que era dele entendi que muito que eu atribuía a ele era meu. É assim que se processa a individuação.    Mas muitas pessoas trocaram  a busca da individuação pelo afirmação do individualismo, aumentando a solidão, embora possa não perceber.    A rede social veio em socorro do solitário...

    “Aceitação é uma atitude proativa, não é esse aceitar passivo... Talvez a gente foi criado com  o papo: “vai no garantido... como se houvesse  um caminho da estabilidade.” Murilo Gun   Essa citação me faz lembrar a forma como fui criada, minha mãe dizia para  a gente fazer concurso público, porque dava segurança e estabilidade, e assim eu fiz.   Levei muita rebordosa da vida porque não entendia seu movimento impermanente. Despendi muito esforço inútil para tentar ficar no já estabelecido, naquilo que conquistei.    A cada mudança forçada no trabalho  eu esperneava até me conformar,  que é diferente de aceitar.    Não há um caminho que leve  à estabilidade, não há segurança  de que as coisas não vão mudar,  a vida não é previsível.    Por outro lado, cada vez que  meu fazer se tornava monótono, desinteressante, sem estímulo,  eu buscava novo desafio, outro patamar, porque sentia que aq...

  O moralismo é uma forma deturpada da ética e da moralidade. O moralista tenta impor aos outros seus padrões morais, distorcendo os conceitos segundo sua visão particular de mundo. Isso importa em julgar o comportamento das pessoas segundo seus padrões. Em sua variação, aplica os estritos termos éticos de forma rígida, interpretados de forma pessoal, sem considerar as circunstâncias, os atenuantes e a realidade dos fatos. O mais prejudicado com o moralismo é o próprio moralista. Ele aplica a mesma régua para julgar a si próprio, e como não suporta sua falibilidade, rejeita sua atitude, trancando-a no inconsciente e esquecendo dela. O julgamento severo feito aos outros é uma forma de desviar a atenção de si, para não permitir chegar à consciência seu autojulgamento. Mas o que está no inconsciente vive sempre à espreita de uma oportunidade de se manifestar, e a mais das vezes surge em forma de impulsos, sejam sexuais, agressivos e a culpa se instala, por esconder de si próprio aspec...

  “A expectativa é o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o tempo presente.” Sêneca Sempre pensei na ansiedade como medo do futuro, medo de que aconteça algo que temo, algo que não desejo. Até ouvir Lucas Lujan falar de excesso de positividade. Segundo ele o excesso de positividade é assim: “tudo tem que dar certo, é uma obrigação de sucesso, que numa tacada só deprime aqueles que estão vivendo um fracasso e coloca em ansiedade aqueles que estão empreendendo novos sonhos ou projetos”. Sobre esse prisma, a ansiedade positiva é medo de fracassar. Muitas pessoas sucumbem pelo medo de fracassar. Isso acontece com quem vai se submeter a um exame, com aquele que nem chega a tomar a iniciativa de um novo relacionamento, por exemplo. Aqueles que não alcançaram o objetivo desejado se deprimem e perdem a confiança em si mesmos. A ansiedade os impede de tentarem de novo. A sociedade em que vivemos é ansiosa, entre outros motivos pelo peso da expectativa ...

  Às vezes temo me esvaziar de tal forma que não tenha mais nada a dizer, que tenha esgotado todo interesse e curiosidade sobre mim e nas coisas do mundo. Hoje amanheci assim, sem ideias, emoções mornas, silêncio interno. Não tem como eu dizer algo que não venha de mim. Quando estou assim, me sinto hibernando, a cobra renovando a pele, a sensação de que algo novo está por vir. Pode ser resistência em acessar camadas mais profundas do eu. Ou o silêncio instalou-se para me ouvir de um novo lugar. Seja o que for, só me resta aguardar pacientemente o porvir, provando do momento de não ser.

  O amor é mais que um sentimento é a razão de viver, a potência que nos vitaliza, a corrente que nos leva ao patamar humano mais elevado. O amor convive com contradições e incoerências, cura, liberta, salva quem ama. É força vulnerável, poder sensível, catalizador do progresso pessoal, grandeza humilde, vínculo libertador, inspiração de virtudes. Quem já teve coragem de viver o amor, ainda que por um tempo, ainda que imperfeito, não desperdiçou a vida, nem sentiu a sensação de tempo perdido, mesmo quando o amor não deu certo. O insucesso não é do amor, mas das limitações humanas para superar os obstáculos para amar. Quero crer que o propósito da vida é aprender a amar, suportar os riscos de se ferir, não por causa do amor, mas pelas imperfeições que ainda temos. Quem age por amor não espera recompensa porque o amor é a recompensa. O amor é a virtude que mais nos aproxima de Deus. Por isso, amo.

  Sempre fui uma pessoa hiperativa, me mantinha ocupada com os afazeres do cotidiano, dos habituais ao trabalho profissional, o cuidado com os filhos, da casa, da estética, e quando chegava o fim de semana não sabia o que fazer com o tempo disponível. Olhando para trás percebo que essa aceleração constante tinha a função me distanciar da insatisfação com a vida, com a falta de sentido dela, comigo mesma, não entrar em contato com a angústia existencial e com as emoções que me agitavam internamente. A vida é movimento, além da ação externa, atividade mental e emocional. O movimento nos mantém conectados com ela, com as pessoas, com o todo. A vida criativa exige que se dê tempo e espaço para a pausa das atividades que demandam esforço físico e mental, para entrar em contato com o vazio criativo. Nele mora a intuição, as ideias, a reflexão, o confronto comigo mesmo, a autorrevelação. Foi preciso muito tempo, dedicação e empenho para desativar o mecanismo de defesa por trás da atividad...

  “A maioria das pessoas vivem como se esse momento, o momento presente fosse um obstáculo que elas precisam superar, para chegar a um ponto no futuro onde elas acreditam que a vida será melhor.” Jacob Petry Eu vivia de fazer planos, de elaborar projetos, de criar expectativas de realização, ou seja, com os olhos no além-mar. Enquanto eu agia assim, não aproveitava o presente, que era algo a ser transposto. Quando os planos e projetos se concretizavam, ficava o vazio de não ter por que viver, e isso me mobilizava a fazer novos planos e projetos. Dessa forma, as expectativas sempre eram frustradas, pois mesmo que elas acontecessem eu não me sentia preenchida. O presente existia em função de dar passos para o futuro. Mesmo antes de terminar o dia, eu já pensava o que ia fazer no outro. Vivia fora da realidade, projetando a vida para depois, e o depois nunca chegava. No próprio dia, a mente se ocupara com a ação seguinte enquanto estava fazendo algo. Agindo assim vivia insatisfeita, ...

  O ser humano tem a ilusão de que vive separado do todo, e a onda de individualismo que assola o mundo atual contribui para isso. A verdade é que ele está interagindo com tudo o tempo todo. Ainda que a vida moderna o distancie da natureza, ela chega até ele através do contato com o vento, a temperatura, a umidade ou a falta dela, o efeito do sol e da lua sobre o corpo. Nesses casos, a pessoa tem consciência dessa conexão. O mesmo não se dá quanto ao contato entre pessoas, temos a crença de que podemos viver isolados dos outros. Isso também acontece no trato consigo mesmo. A maioria não tem consciência do que acontece internamente, tanto quanto às sensações quanto às emoções e pensamentos. Vive com a sensação de desconexão interna, uma batalha entre quem é e quem gostaria de ser. Muitos levam uma vida de desespero silencioso, pela sensação de estarem desperdiçando suas vidas. Esse sintomas são apelos à transformação interna, uma oportunidade de despertar para o crescimento e cura. ...

  Assisti o documentário de Jung Kook “I am still”, sobre o processo de criação e divulgação de seu álbum Gold. Me chamou a atenção a disciplina e determinação do artista, repetindo infindáveis vezes trechos da música, até chegar ao tom certo proposto. Isso me fez repensar o que entendia sobre o erro. Quando se está em período escolar, é comum repetir o exame até ser aprovado, o erro e sua correção fazem parte do processo de aprendizagem. Quando nos tornamos adultos, entretanto, em se tratando de relações interpessoais, o erro tem um tratamento diferente, a começar pelo conceito de pecado e suas consequências. Nem sempre nos é dada pelos outros a chance de reparar o erro. É bom que se diga que não estou falando de atitudes graves, consideradas como crimes. O conteúdo moralista presente em cada atitude propicia crítica, julgamento, condenação e execração do infrator. A crítica é dirigida à pessoa e não à sua atitude. Sem a moralização das ações a pessoa só precisaria reconhecer e...

  Tem dias que acordo energizada, com a vitalidade em alta. Nesses dias me empenho em realizar o máximo que posso, porque sei que não será sempre assim. Nos dias em que me sinto com a energia baixa, limito-me a fazer o estritamente necessário, dado o esforço extremo para agir. Nas duas situações consigo perceber a quantas anda minha força vital, mas não tenho consciência dela nos demais momentos. Em mim, a potência de existir oscila, a depender das condições internas e externas serem favoráveis ou não. Quando a interação com as pessoas é alegre, aumenta minha vitalidade, se é triste, ela decai. Se faço algo que me motiva, me dá satisfação, me sinto potente; o inverso acontece quando meu fazer é tedioso. Experiências gratificantes me dão energia, experiências difíceis, traumáticas, me enfraquecem a potência. Percebo que quando estou envolvida num projeto ou atividade edificante, que me dá contentamento e bem-estar, a força vital se mantém constante. A potência de existir é o motor ...

  “O perdão é algo que é oferecido a alguém que não merece, mas para a pessoa se sentir perdoada ela tem que saber que não merece.” Luiz Felipe Pondé   Muito se fala sobre o perdão, pouco  se fala sobre o arrependimento. A bíblia trata da questão assim: “ O Senhor declarou: “Eis que aquele que se arrependeu de seus pecados é perdoado e eu, o Senhor, deles não mais me lembro” (D&C 58:42) .”  Embora a bíblia condicione o perdão ao arrependimento, particularmente entendo que o perdão incondicional é libertador.    Há uma diferença entre ser perdoado  e sentir-se perdoado. Quando a pessoa  é condenado injustamente, o perdão  é uma reparação da justiça, nesse sentido não há arrependimento porque não houve erro. Mas se o erro existiu, para sentir-se perdoado é necessário que a pessoa  ao menos reconheça o erro pelo arrependimento. Caso contrário, continuará escravo do erro, pois além  de não o admitir, não se moveu para   a repar...

  “Por si só, a realidade não vale nada, é a percepção que dá sentido à realidade. Psicologojoaomello - Joseph Brodsky A percepção é a faculdade de apreender a realidade pelos sentidos, é a impressão que nos deixa o contato sensorial com ela. É também uma compreensão que vai além do entendimento racional e lógico, é um saber intuitivo, que dá sentidoao que se percebe. Eu já tive momentos fugidios de percepção que não fui capaz de traduzir em palavras, uma compreensão que reverberou em meu corpo, dando uma sensação de bem-estar e contentamento. Nesses instantes, eu sabia. Em momentos como esse, pude distinguir quem sou do que penso. Não sou as percepções que chegam a mim, sou quem observa o que estou sentindo ou o que penso. Ao me desidentificar do que penso e do que percebo, sei que quem sou vai além dessas faculdades. É como diz Murilo Gum: “Eu sou o céu e não a nuvem, se acho que sou a nuvem, eu me reduzo.” Já Joseph Brodsky afirma que “refinamento e sensibilidade se originam na ...

  Tenho dito que o sentido da vida está em viver, existem pessoas que apenas existem. Hoje ouvi que viver é sentir  a vida em você (Constante jornada). Entendo o que está sendo dito nessa frase, é o que Spinoza chama de alegria ou potência de viver, é a passagem para um estado mais potente do próprio ser.     Quando eu estou insatisfeita, frustrada, triste, perco potência de viver. No dia  em que acordo bem-disposta, a mente clara, sem qualquer desconforto no corpo, sinto alegria no viver. Quando estou assim, sou capaz de sentir prazer em coisas simples como me espreguiçar antes de me levantar da cama, sentir  a temperatura ambiente, a fome antes   de comer, contemplar o céu de minha janela.    Nesse sentido, a saúde física e mental ajudam a me sentir viva, mas não só isso. Quando sinto entusiasmo ao expressar quem sou, ao manifestar minhas habilidades, ao ter boas ideias sinto  o pulsar da vida em mim.   Nessa mesma fonte (Constant...