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Mostrando postagens de maio, 2025

Autorresponsabilidade

  Lembro de um filme antigo em que o protagonista, por achar que não fará diferença se morrer, teve a chance de ver como seria se ele não tivesse nascido.   Nós fazemos parte da grande rede da vida, cada um contribui com a sua singularidade para formação do todo.   Dessa forma, todos os nossos pensamentos, sentimentos, ações e omissões interferem na dinâmica da vida.    Essa consciência nos torna responsáveis pelo que fazemos com nossa existência, por nós mesmos e pelos demais, em especial por todos em nosso entorno.   Passei grande parte da vida sem ter consciência disso, e atribuindo ao acaso, fatalidade ou destino tudo que me acontecia.    Essa era uma forma de pensar confortável e cômoda, porque me imaginar pequena e sem importância, me isentava das consequências pelo movimento que fazia na vida.   Não é fácil aceitar essa realidade. Agora as desculpas que inventava não funcionam mais, estou frente a frente comigo mesmo e com tudo que sou...

O tempo revela o que o entusiasmo esconde

  A impulsividade em mim já resultou em muito arrependimento. Muitas decisões tomadas a partir dela, sem avaliar o custo delas, pesaram mais do que os falsos ganhos que elas me proporcionaram.   De todas as escolhas, o pior dano foi eu ter renunciado a quem sou em troca de suposto pertencimento, ter alguém do meu lado que não era companhia, deixar de ser eu para me encaixar numa história que não era minha.   O entusiasmo em si não é ruim, ele reduz o medo e a hesitação. Mas se ele não for acompanhado da lucidez que avalia e pondera, pode aniquilar a cautela e até o instinto de sobrevivência.   São pequenos passos, um de cada vez a cada dia que sedimenta uma mudança de hábito. A consciência revela o que o entusiasmo escondeu. 

Caminhos sem volta

    A mente não sabe para onde meus pés me levam. Enquanto ela viaja em mil direções, o caminhar é quase automático. Quantas vezes eu me dei conta de onde estava e não sabia como cheguei ali?   A mente inquieta se distrai com facilidade, se dispersa, divaga, faz link com memórias, com ideias, ou adianta a linha de raciocínio de quem fala. E quando volto ao presente já perdi o fio da meada e não consigo mais acompanhar a conversa.   Vou mais além, as escolhas que fiz na vida foram direcionadas pelo impulso do momento. Não é como se eu estivesse seguindo o fluxo da vida, e não é verdade que “o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraída.”   Foi assim na maior parte de minha vida, e por não estar no presente, não desfrutei do momento. Esses instantes perdidos não se recuperam mais.    Quando penso como seria se eu tivesse feito escolhas conscientes, vejo a impossibilidade, porque não sou mais a mesma e o tempo não volta, nem eu volto para o mesmo lu...

Generalização e vitimização

  Recentemente assisti o filme “Escritores da liberdade, inspirado em um caso verídico.   Passado o impacto emocional – eu participo do filme como se estivesse vivendo aquele drama – percebi alguns equívocos que os personagens viveram.   O primeiro deles e o mais grave foi a generalização. A generalização é uma falácia, ou seja, parte de pressupostos verdadeiros, mas a conclusão é errada. Se eu fui vítima de um branco, todos os brancos são maus.   A generalização pode ir mais além, agora não importa mais a cor da pele, o outro é o inimigo.   Outro equívoco é a vitimização. Porque passei e passo coisas ruins, não tomo um atitude positiva, prefiro ficar de coitadinha. A vítima vive numa bolha de comiseração que pode levar a uma atitude hostil perante a vida.    Para a vítima, a dor dela é a maior de todas. A dor não pode ser mensurada nem comparada, cada um responde a ela de forma diferente. Mas a vitimização a intensifica, porque o ressentimento passa a...

Sensibilidade, intensidade e limites

    “Quando você não se acha merecedor de amor, dificilmente você aceita que outra pessoa possa lhe amar.” anete.guimaraes   Houve um tempo em que avoquei para mim a tarefa de cuidar dos meus pais e irmãos. A toda demanda eu dizia sim.   Até o dia em que eu me prostrei de exaustão e constatei que eu não era tão forte como imaginava e disse isso a eles. Alguns aceitaram, mas outros se ressentiram, cobravam ostensivamente ou por meio de atitudes que eu voltasse a ser aquela pessoa sempre disponível.    Não é fácil dar-se limites, e esse é o primeiro passo para se ter uma relação saudável. Mais do que ser útil, eu queria ser indispensável para ter poder sobre os outros e assim me sentir amada. Esse foi o maior equívoco que tive na vida.    Ouvi, numa publicação de semente_estelar o seguinte: Quando você para de fazer tudo por todos, começa a perceber quem realmente se importa com você.” Isso é um fato.   Para eu me sentir indispensável, neguei u...

Sonhos

    “Às vezes o paciente está falando, mas tem emoções mais profundas, tem desejos que nem quer enxergar, mas no sonho vão comparecer”. Edázima Aidar   Falar de sonho me dá muito prazer, porque eles me acompanharam a vida toda.   Já tive sonhos premonitórios, que revelam algo sobre mim, já sonhei visitando lugares e pessoas, sonhos que são continuação de algo que aconteceu no dia.   Cheguei a encher dois cadernos de sonhos. Nessa fase, eram histórias que tinham começo, meio e fim. Histórias de tempos remotos, antigos, com cenários e trajes da época. A impressão que tenho é de que visitei vidas passadas, e que, de alguma forma e sem nem mesmo eu entender, me ajudaram a seguir com a vida.   Muitas vezes estou confusa, e o sonho clareia minhas ideias, estou em dúvida e o sonho mostra o caminho.    Há quem diga que o sonho é a realização de desejos reprimidos, e os pesadelos revelam conflitos interiores. A linguagem do sonho é simbólica por isso só o ...

Sombras

  “Eu sou uma casa, está escuro dentro de mim. Minha consciência é uma luz solitária, uma vela ao vento, ela vacila às vezes aqui, outras alhures, e todo o resto está nas sombras, todo o resto reside no inconsciente. Freud – Netflix   Antes de iniciar minha busca por mim mesma, não sabia nada sobre as sombras. Desconhecia que o que há de mais verdadeiro em mim está no inconsciente.   É incrível como a mente seleciona e exclui tudo que é indesejável. Não sei se é obra da mente ou do ego com a ajuda dela.   Eu ignorava que não adianta jogar nas sombras aquilo que precisa ser visto, uma hora a luz penetra, a sombra se dissipa, e o que estava escondido é revelado, ainda que disfarçado de sintomas, de “atos falhos” que mostram um lado indesejável que eu acreditava não ter.    Carl Jung disse: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino.   Eu acreditava que a máscara que preguei no rosto escondia minhas ...

Eu e minhas versões

  “Você nunca vai se conhecer como o mundo te conhece, nunca ouviu sua própria voz como os outros ouvem.” @eliseupaess   Assisti a um filme antigo em que o protagonista se achava tão sem importância que se morresse não faria falta. Um anjo mostrou a ele o que aconteceria se ele não tivesse nascido. Foi então que me dei conta que não sei como as pessoas me veem, como minha presença ou ausência as afetam e como interfiro no ambiente.   Achava que as pessoas me viam como eu me vejo, mas cada pessoa cria uma versão diferente de mim conforme focam em determinados aspectos meus.   Há quem veja meu lado bom, outro vê meus defeitos, dificilmente alguém teria a maturidade e curiosidade de saber quem de fato sou. Tem quem mantenha congelada minha imagem antiga.    O olhar do outro está comprometido com sua história de vida, suas experiências e expectativas, suas projeções.   Quando converso com minhas irmãs sobre nosso pai, cada uma tem uma versão diferente dele...

Erros de julgamento

  “O grande problema do homem que não ama a verdade é que começa a achar que a sua opinião é a verdade e aí ele se torna o dono da verdade.” Lúcia Helena Galvão   Eu já quis ser juíza, até me preparei para o exame, mas desisti, não me achei capacitada para decidi a vida de uma pessoa. Hoje ainda penso assim.    Sei que é preciso e necessário que haja um mediador para as contendas humanas, mas na maioria das vezes se decide em favor de um lado, contra o outro. Nas relações humanas dificilmente existe apenas um certo, ambos contribuem para o desentendimento.   Já passei um ano sem contato com uma de minhas irmãs, porque achava que era isso que ela queria, já que ela ficou muito exaltada na discussão. Anos e anos se passaram, e só recentemente ela me disse que no mesmo dia já tinha passado a raiva.    A maioria das vezes o julgamento é baseado em suposições, no achismo, e se tiver um componente emocional, essa avaliação fica mais comprometida, em especial...

Fotografia de uma mente

  Quem me ver assim, tão calma, não tem ideia de quem eu sou. Dentro de mim há uma mente desgovernada, um trem bala que transporta um turbilhão de pensamentos simultâneos, sobrepostos, circulares, de toda ordem. Como fotografar algo que está sempre em movimento?   Se o que penso é solução, por trás tem  dúvida e desespero. Enquanto o pensamento é racional, viaja com ele a imaginação.    É como um peão que gira sem parar trazendo em cada giro preocupações, alegrias, entendimento, incoerência, lembranças, realidade, fantasia, digressões, divagações e certezas.    É como um barco sem vela e sem porto seguro. Como pode essa mente inquieta encontrar um travesseiro para repousar? Como pode organizar os pensamentos se eles são aves em debandada?   Tal qual um para raio de maluco que se distrai com o mínimo estímulo, interno ou externo, e se transporta para outro lugar ou tempo, nunca está no mesmo lugar.       Se me vissem por de...

Tristeza de quem sabe demais

    “Existe um tipo de tristeza que não vem do sofrimento comum, mas do peso de saber demais. É aquela dor que surge quando você começa a ver o mundo como ele realmente é, sem filtros, sem ilusões.” @ofilosofosabio   Há um ditado que diz: “eu era feliz e não sabia.” “A ignorância oferece um alívio que a lucidez nunca permitirá.” @filosofo.citouu. A dor da consciência é uma tristeza que não chora, congestiona, não deixa o ar entrar. Ao mesmo tempo constipa, não deixa os dejetos saírem. O que é bom não entra e o que é ruim não sai, essa é a intoxicação da consciência.     Saber demais me afeta a funcionalidade orgânica, não estou preparada para tanto. É um tipo de tristeza de difícil eliminação. Ela fica retida e compromete o natural movimento do corpo.    É semelhante ao cansaço da vida, o núcleo da vontade comprometido. É dor que rasga o véu da ilusão e revela a realidade.    A realidade é um remédio amargo que só deve ser tomado a conta...

Não é pessoal

    Se eu te disser que não é pessoal, quase nada é pessoal, se é que alguma coisa de fato é pessoal... Só estão agindo em defesa delas mesmas.” @papoinspira   Por diversas vezes eu troquei os pés pelas mãos ao interpretar equivocadamente o comportamento de alguém. Já reagi mal porque não entendi o que a pessoa disse, ou não ouvi direito. Já me senti ignorada porque alguém que conheço passou por mim sem falar comigo, no entanto ele nem me viu. Posso dar inúmeros exemplos de maus entendidos, quando não tinha nenhuma ameaça contra a qual precisasse me defender.   Eu me precito em julgar as pessoas para não ser surpreendida, e como o julgamento é baseado no medo, na maioria das vezes estou equivocada.   Ao constatar o engano, sou assolada por vergonha e arrependimento.    Ainda que alguém tenha algo contra mim, com frequência é uma reação a um julgamento equivocado. Se esse é o caso, não há por que me ofender, a reação vem de algo que fiz, mas que não era...

Por que a D.R. não funciona?

  “A D.R. não funciona porque você não consegue captar com a razão o sustentáculo do amor... O mais fundamental da vida humana escapa aos mecanismos racionais.” Jorge Forber   A maioria das pessoas não consegue abordar o outro sobre como se sente, ao invés disso afirma coisas sobre a conduta do outro como se estivesse segura de que o que sente é de fato o que acontece.   É importante o casal conversar sobre como está se sentindo, o que está incomodando, suas insatisfações. Na maioria das vezes fazemos acusações e queremos forçar que o outro mude ao invés de tentar aceitar o outro como ele é.   Se o jeito de ser do outro é insustentável para o seu par, e esse aspecto compõe sua personalidade, na maioria das vezes conversar não adianta se ele não está disposto a mudar.   Sendo essa a hipótese, é preciso aceitar a escolha dele sem mágoa e sair da relação.    Pequenas coisas que irritam um ao outro podem ser evitadas. Mas se o propósito de vida, os projeto...

Você tem fome de quê?

    “Porque sentir falta de algo é a norma da vida. As pessoas não ficam satisfeitas até serem amadas” A peculiar e o charmoso – série   Você já teve desejo de comer sem ter fome? Vontade não sabe de quê? Você abre a geladeira e não acha nada que lhe agrade? Não vai achar, porque o que falta não está na geladeira.   A falta é algo intrínseco do ser humano, está associada ao desejo, e é o que impulsiona as pessoas a agirem.   “A gente quer inteiro não  pela metade.”(Titãs) Quanto mais rápida é a resposta do que temos fome, quanto mais ela está na superfície, mais provável é de que ela é uma fome substituta da real. Comer é uma delas.   É a falta a mola propulsora do amor. Só me mobilizo em direção a alguém, só venço a barreira que crio para manter o outro distante porque me sinto incompleta. Mas o amor não é capaz de me preencher com o que me falta, ele me satisfaz, abranda a sensação de vazio, de incompletude.   A pulsão de desejo é um poço s...

Intimidade comigo mesma

    “ Intimidade é deixar ser, fluir aquilo que se é, sustentar aquilo que se é, é a gente estar muito à vontade com aquilo que a gente é.” @639app     Costumava pensar em intimidade como  “ a combinação de proximidade emocional e física, ou pode ser mais centrada na confiança e no compartilhamento de sentimentos.”  (visão geral criada pela IA)   Não tinha, ainda, visto a intimidade por essa perspectiva, intimidade comigo mesma.   No passado vivia desconectada de meu corpo e de minhas emoções, não tinha consciência corporal e congelava emoções. Isso explica as crises de depressão que passei ao longo da vida. Sem desconsiderar a definição clínica de depressão, para mim depressão é a recusa em aceitar a realidade como ela é.   A minha depressão incluía ansiedade. Ora meus olhos estavam voltados para o passado, ora voltados para o futuro. Esse foco era direcionado pelo medo, medo de acessar meus erros, medo do que me reserva o futuro.  ...

Ventos do passado

  Quando ventos do passado me trazem arrependimentos tardios, revolvem antigas feridas.    Quando penso nas desistências, nas fugas, cada uma delas fez-me sentir uma fracassada, mas também me impulsionou a seguir adiante, me trouxe uma lição, me tornou mais forte.    Minha vida não é feita só de oportunidades perdidas, muitas agarrei firme e fui até o fim. Quem sabe como seria se as tivesse sustentado por teimosia, orgulho ou falta de coragem de mudar de rumo?   Sem as fugas e desistências não teria desenhado novos caminhos que me levaram até onde estou.    Parece que eu estou justificando meus arrependimentos, pode ser até verdade, também estou aceitando as atitudes que não posso mais mudar, os erros que não posso mais corrigir porque ficaram no passado. Quero acreditar que vida é generosa, sempre haverá uma outra chance.    Às vezes em que não mantive uma decisão me levaram à reflexão, fortaleceram os pilares de sustentação em mim, ger...

Digressões 3

    À medida que fui me permitindo penetrar nos escaninhos do inconsciente, por ele mesmo revelado, mudei meu conceito de destino e fatalidade.    Não foi fácil, resisti muito, mas por coerência e por fazer sentido aceitei a ideia de que sou responsável pelas minhas escolhas, assim como devo aceitar as consequências delas.   Entrou como uma luva o que Alexandre Godinho disse: “aquilo que você chama de destino pode ser um padrão em que você se acomodou numa dança que você aprendeu, mas que nem lembra mais quem foi que coreografou.”   Eu dançava conforme a música que eu não compus, com passos que não eram meus.   Já Jorge Forber diz: “O mais fundamental da vida humana escapa aos mecanismos racionais.”   E ele tem razão, muito do que penso, sinto, como ajo está sobre o comando do inconsciente, não passa pelo crivo da mente.    Por isso, é inútil perguntar: “por que você está nessa relação tóxica, por que você escolheu essa pessoa?   Co...

Digressões 2

    Uma vez me perguntaram: “já pensou que o que você acreditou sobre você fosse uma mentira que você não questionou?   Fiquei com aquilo fermentando em minha mente, ora aceitando a possiblidade de ser verdade, ora afastando a ideia por medo de ficar sem chão.    Concordo com Alexandre Godinho quando diz: “Compreender não é um momento de glória, não é como uma epifania barata, compreender às vezes é mais parecido com um soco no estômago.”   Senti o desfecho do soco só em ouvir. Isso fez diferença na forma alienada em que vivia, me convidou à lucidez. Nunca mais olhei, senti e pensei da mesma forma.    A historinha que contava para mim mesma era de que eu era uma vítima indefesa de algozes. Era uma justificativa perfeita para não assumir as rédeas da vida.    Outro soco no estômago foi quando ele disse: “a verdade não liberta de graça, ela exige o confronto daquilo que a gente prefere ignorar.”    Essa fala me chamou à responsab...

Digressões 1

    Se eu soubesse antes o que sei agora ... Mas como saber de véspera, o que a experiência ainda não me ensinou?   Sei que só atraio o que me é próprio, se entrei numa relação tóxica, é porque em mim já havia um desequilíbrio prévio, assim como meu par.    Mas foi a experiência vivida que me fez buscar respostas que eu só seria capaz de assimilar estando fora dela.    Deus aproveita todas as escolhas equivocadas que faço para me colocar de volta no eixo. A dor flexibiliza o engessamento de opiniões e me torna receptiva ao comando Dele.    A autogestão é o único caminho para o equilíbrio, ninguém me conhece melhor do que eu. A maturidade alheia não autoriza me apresentar soluções que só cabe a mim.    Posso até ouvir e ponderar sugestões feitas de boa vontade, até assimilar uma ideia nova, algo que não tinha pensado antes, mas o que vou fazer com as sugestões e ideias alheias só compete a mim.  Enquanto eu não estiver pronta pa...

Crise

  “Aquela crise que está destruindo sua vida agora não é um acidente, é uma iniciação, está tentando te transformar em quem você realmente deveria ser ... é o seu eu autêntico exigindo ser ouvido.” Mabel C. Dias   Eu associo o surgimento da crise com a resistência em fechar um ciclo de experiências e iniciar outro. Quando não há resistência, a transição é fluida, não há sofrimento.    Acontece, também, da crise iniciar dentro de mim, um estado de confusão, de angústia, que só se dissipa quando finalmente eu sei o que fazer.   A crise é a vida forçando passagem, criando situações que me obriguem a olhar o que precisa morrer em mim, para que algo novo nasça.    Quando a borboleta não cabe mais no casulo, ela abre passagem para alçar voo. Quando a maneira de pensar, agir e sentir não me serve mais, se eu não caibo mais no mundinho que criei, preciso encontrar o ponto de ruptura para seguir para o próximo nível.    Para isso, preciso estar atenta...

Parece, mas não é

    Ouvi muito as pessoas me dizerem que pareço uma pessoa calma. Pareço, mas não sou. Dentro de mim meus nervos queimam no fogo da ansiedade.   Dizem que pareço confiável. Pareço, mas não sou. Como pode ser confiável quem não confia em si próprio?   Há quem me diga que inspiro confiança.  Pareço, mas não sou assim. Na verdade sou persuasiva, tenho o poder de convencimento, tenho boa articulação.    Justamente por fazer uso dessa qualidade é que não sou confiável. Não deixo margem para reflexão e posso induzir as pessoas a acreditarem no que digo, e com frequência vejo que estou equivocada.    O que me salva é que tenho a coragem de mudar de opinião, ainda que perca a confiança de quem acreditou em mim.    De modo inverso, as pessoas me acham insensível. Pareço, mas não sou. Passei tanto tempo me retirando emocionalmente, congelando o que sinto, que minha face não retrata minha sensibilidade.    As aparências enganam até a...

Resistência

    A resistência pode até me proteger da dura experiência que preciso viver, mas não me livra da dúvida, da angústia, da verdade.   A maior aliada da resistência é a racionalização, uso os melhores recursos da inteligência para justificar o não.   Não adianta eu me dizer que já sofri experiências ruins com aquela pessoa, porque nunca vou saber se ela mudou se não me permitir ir à prova.   A resistência, no bom sentido, equivale à resiliência, é a força para não fugir de uma situação difícil, de uma adversidade.    Se eu sei que uma das possibilidades é repetir-se a atitude que fere, surpresa, se houver, será positiva.    Usarei a resistência para dar mais uma chance a nós duas. 

Armadilhas da mente

    A mente é programada para atuar de acordo o acervo de informações que recebeu e que sustenta o seu bom funcionamento. Qualquer coisa fora da programação é rejeitada a priori.    É preciso associar o mental ao emocional, de sorte que eles trabalhem em colaboração mútua.   Quando a mente se dissocia do coração, se perde nos pensamentos elaborados para defender seu território.    A racionalização nada mais é que buscar no repertório mental justificativas para defender o indefensável.    A inteligência emocional, por sua vez, é a capacidade de gerenciar emoções e isso só se dá com a colaboração da mente que norteia as atividades emocionais.    Sem a mente, as emoções ficam descontroladas. Sem as emoções, a mente falseia e comete enganos. Uma precisa da outra.

O eu essencial

  “Quantos defeitos sanados com o tempo eram o melhor que havia em você?” Oswaldo Montenegro   Eu já descartei como minhas algumas características que me são inerentes, só por me desagradar.   O que me é intrínseco não pode ser abolido, ainda que se vista de imperfeição.    Já tentei erradicar a alegria, esconder a beleza engordando porque achava que isso evitaria predadores. Já abafei a criança que há em mim, por julgar não haver lugar para ela no adulto. Já tentei negar minha inocência, para não ser alvo de manipulação.    Assim como côncavo e convexo são lados da mesma moeda, a impulsividade pode se converter em entusiasmo, a euforia em alegria genuína, o senso crítico em perspicácia, suscetibilidade em sensibilidade, ser influenciável em estar aberto a novas perspectivas.    Tudo isso faz parte de minha identidade mais íntima e genuína, e são apenas aspectos sombrios desviados da constituição essencial.    Se quero conhecer o eu...

O palhaço que há em mim

  “ O senso de humor é um certificado de sanidade”. Papa Francisco   Na infância, só o silêncio me bastava para desatar o riso. As distrações, os micos, meus e dos outros eram motivo para não conseguir conter a risada.    Meu senso de humor, quando é acionado, é espirituoso e perspicaz, capta o que há de ridículo nas situações de dor. Basta colocar o sorriso no rosto para a risada chegar.    Adoro assistir pegadinhas e vídeos engraçados, gargalho com qualquer tolice.   O palhaço que há em mim se retrai quando levo a vida a sério demais, quando as preocupações me endurecem a face, quando deixo que o mal-estar mude o humor.    Mas ele está sempre a espreita de um vacilo da sisudez que se rende e ele, impera com todo o seu poder.   

Aquela que tento esconder

  “Nem sempre a face que mostro é a que desejo revelar.” @semente_estelar_   Em mim há um outro eu de difícil acesso, mas que de quando em vez surge sem eu esperar.   Eu não a alcanço porque minha voz se perde no labirinto acústico onde ela se esconde.   Esse outro eu tem o coração ferido, e se recusa a curá-lo, não quer renunciar a seu posto de vítima.    Vez por outra sinto sua presença em forma de tristeza injustificável, não consigo lhe falar porque ela me domina.    A outra que há em mim é imatura e não quer crescer, não me ouve porque não confia em mim.    Espero que um dia ela cresça ao ver meu exemplo, minha persistência em tentar me equilibrar, minha ânsia em tirá-la desse labirinto que é o seu refúgio. 

Revelação

  “Você nunca vai ser feliz amando quem não existe” “Te amo só um pouquinho” – seriado   Nunca ouvi algo nada mais revelador do que essa frase. Ela descreve com precisão o estado de paixão, a gente ama quem não existe. A ilusão da paixão não dura muito, então vem a frustração.    Eu descobri que minha ilusão vai mais além. Uma vez uma amiga me disse: “você vive se cuidando, não sei para quem você se guarda”. Verdade, eu cuidava da minha aparência com zelo, mesmo quando casada, e não era para mim mesma, como alguns dizem.   O homem que eu ia amar ainda não tinha chegado, mesmo eu atravessando três casamentos. Era alguém que nem mesmo sei que atributos deveria ter, o meu “tipo ideal”.   Agora que estou só há muito tempo, essa figura surgiu em minha mente com força. É certo que não quero quem tenha os mesmos defeitos de meus ex. Mas não se trata disso. Eu criei alguém irreal.    Alguém que irá me salvar de mim, de meu temperamento irascível. Que me e...

Matrix

    Vez por outra a lucidez me visita e revela o quanto sou aprisionada pela mente, o quanto sou desconectada de mim mesma e do mundo.   Ela me mostra que me deixei hipnotizar por esse mundo virtual sem tempo e sem espaço.   Estamos deslocados no tempo, pelo saudosismo de uma vida condescendente, sem limites, ou por nos projetar para o futuro porque o hoje não nos agrada.    Somos marionetes de uma Matrix sem rosto e sem nome, que não nos deixa despertar, não nos permite tomar a pílula azul da realidade.   Escrevo com a velocidade que o tempo de lucidez exige, porque ao final voltarei a mergulhar na ilusão coletiva.   

A outra em mim

  Lembro que minha mãe me vestia com lindos vestidos feitos por ela mesma, e me recomendava ficar sentada, quieta, para não me sujar, nem o amassar. Eu era elogiada por “não dar trabalho”.   Cedo aprendi que beleza tem um preço, o de ser presa de predadores. Desiludida por não ter sido protegida, entrei na rebeldia, que só me causou estragos.   Já adulta, passei a ser irascível, geniosa. Por algum tempo esse temperamento me afastou do perigo, mas não afastou a ameaça que eu era contra mim.   Eu amansava quando era desejada, por um tempo cedia à vontade do suposto salvador, que era um lobo em pele de cordeiro.    Há quem me veja como uma mulher independente, bem resolvida, que sabe o que quer. E ela existe mesmo.    Mas tem uma outra em mim que ainda espera alguém que me salve de mim, do meu temperamento, que me amanse, que me ensine a ser suave.   Esse eu imaturo dificulta que eu tome iniciativa para que eu mesma dome essa fera que há em mim,...

Afinidade

  “Afinidade é não haver tempo mediando a vida. Artur da Távola   Sabe aquela pessoa que completa sua frase? Que em determinada situação sabe que você pensa do mesmo jeito? Que sem saber compra o mesmo sapato que você acabou de comprar?   Isso tem um nome, afinidade. Mas isso não significa que os dois têm os mesmos gostos, preferências, hábitos, estilo de vida. A afinidade não é uma fotocópia do outro.    Afinidade é estar em sintonia na maneira de pensar, é a interseção de pontos comuns.    É impossível alguém encontrar uma afinidade plena, sempre haverá algo que foge a essa confluência.    Essa afinidade não deve ser de vícios e defeitos, mas na maioria das vezes é isso que une as pessoas. Aí não é afinidade é conluio.   No entanto, quanto mais pontos de afinidade, maior se torna o afeto.    Afinidade não se força, porque agindo assim você renunciará quem você é para ter aprovação.    Pessoas afins não têm medo de d...