Deus e o Verbo


No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

Ele estava no princípio com Deus.

Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido feito, foi feito sem ele.

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.

(João 1:1-4)


Como já foi dito, a ideia é feita de símbolos, de imagens, que passam pela mente e são traduzidas pela linguagem. A ferramenta da linguagem são as palavras. A linguagem foi concebida para explicar a vida, para nomear coisas e dar contorno aos sentimentos e sensações. Um código universal que possibilita a comunicação. A linguagem explicou e deu contenção à angústia da finitude e ao desconforto pela consciência dos limites do campo de visão humana, que não consegue abranger o todo. Criou verdades pela necessidade de estabilidade e constância das coisas. 


A palavra fixou verdades imutáveis e castra a expressão do movimento, da transformação, do que não é possível ser explicado em palavras. Reduz a existência ao pensamento e exclui tudo que sobra e abunda, tudo que não cabe nele. Rejeita qualquer fenômeno considerado irracional. Dá contenção ao excesso, que para o homem é insuportável. Troca-se a vida por sua representação. Por falta de vivência, as palavras se tornaram gastas, encardidas, desbotadas e perderam o sentido que as criou. 


A linguagem é um filtro excludente do que não se adequa  ao conceito, à definição, ao significado. Ela é estruturada pelo raciocínio lógico, que afasta a incoerência, a contradição e a ausência de sentido. É alicerçada na razão, que busca certezas concebidas pelo conceito de verdade. A verdade não é um conceito, ela é. A linguagem não  abarca a experiência das sensações, dos sentimentos e dos instintos. 


A linguagem imagética dos afetos não cabe nos conceitos e significados. Ela é feita de símbolos e metáforas e é expressada pela arte. É a forma de comunicação mais próxima do que é vivido pela experiência. 


A linguagem da palavra se insere no mundo virtual das representações da realidade. A linguagem da arte é uma forma de expressão do real. Ela inclui a contradição, a incoerência, a falta de sentido. Ela não se fecha em si mesma, ela se expande além da imagem e dá liberdade à reação que provoca. A arte casa da sensações e sentimentos, através de uma inteligência não lógica, não racional. Ela convida à experiência. Ela revela que não se existe porque se pensa, existe porque se sente.  A existência pressupõe um corpo físico e condiciona a se estar  imerso no mundo material. 


A linguagem das palavras tenta dar forma e contorno à experiência que transborda, que é excesso, que se derrama, que vaza entre os dedos do significado. A experiência vai além da compreensão, do entendimento, da razão. Ela é apreendida, percebida e sentida. Afeta cada fibra do ser, em todas as dimensões, da física à espiritual. 

Se Deus ultrapassa a linguagem das palavras, Ele vai além da compreensão da mente. Deus só é conhecido pela experiência. E a experiência só é possível através do corpo físico, estando plenamente no presente. Na experiência, não se conhece Deus porque O entende, conhece-se Deus porque Dele se sabe. 



Se no princípio era o Verbo e o Verbo era Deus, o Verbo não pode ser contido, delimitado e restringindo pelas palavras. A linguagem de Deus é a do sentir. O Verbo é ação, é movimento, é vida e vida é se permitir afetar e ser afetado. O Verbo foi mal compreendido.

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