Hábito e Moral - Virgínia Leal

 



            Por que será que fazemos ou dizemos algo que em sã consciência não diríamos ou faríamos? Aquilo que é conhecido como ato falho, o “foi sem querer, querendo?” O ato falho acontece quando o resultado esperado é substituído por outro contrário e aparentemente alheio à vontade. Há um determinismo psíquico e traz um sentido não aparente. É um ato bem-sucedido, na medida em que o desejo inconsciente se realiza nele. Para tentar responder essa pergunta convém recorrer a neurociência, que aborda a força do hábito. Segundo ela, o ser humano tende a buscar a estabilidade e não gosta de dispender energia, adota a conhecida “lei do menor esforço”. O hábito vem ao encontro dessas tendências.

 

Outra constatação da neurociência é a de que o ser humano é relativamente irracional e que a racionalidade é uma possibilidade. Não é o racional que predominantemente nos rege. Vimos os instintos e pulsões e como eles atuam e agora veremos o hábito. O hábito não é plenamente consciente, é um padrão automático de comportamento. Partindo da premissa da tendência à imutabilidade, o hábito convém porque colabora com a estabilidade, não gasta muita energia e não há perda de tempo, além de ser agradável.

 

Por todos esses fatores, o  hábito dificulta a mudança, porque mudar é quebrar o hábito, e isso importa um período transitório de instabilidade, além de muito dispêndio de energia. Quando se pretende mudar hábito, o mecanismo de preservação da estabilidade promove a defesa do autoengano. Fazemos promessas a nós mesmos de que iremos mudar num futuro próximo, não agora, sabendo que estamos nos enganando.

 

Há hábitos que nos prejudicam e que se convertem em compulsão ou vício, e alguns são moralmente reprováveis. O autoengano é potente na medida em que o hábito é forte e a mudança é difícil. O hábito é forte quando gera recompensa prazerosa, quando satisfaz um desejo, ainda que venha de um prazer negativo ou pernicioso para si e para os outros. Por isso, hábitos morais são mais difíceis de mudar.

 

Há outros fatores que interferem na mudança e que dizem respeito à natureza e à formação de valores. Somos constituídos pelo temperamento, que são comportamentos herdados pela genética, pelo caráter, que é a formação de virtudes e valores pela educação e cultura, e pela nossa essência, aquilo que transcende a genética e o que foi aprendido. Devido à ignorância e desconexão da essência, o indivíduo é regido predominantemente pelo temperamento, caráter, instintos e pulsões. Se o caráter não foi bem desenvolvido, há dificuldade em educar os instintos e pulsões, aflora os defeitos morais.

 

Dessa forma, os vícios morais tornam-se hábitos difíceis de mudar. Quando a pessoa toma consciência dos erros de valoração, a tendência do menor esforço a leva a reprimir o hábito, ao invés de mudá-lo. E como aquilo que foi  reprimido causa pressão para se expressar, desavisadamente ele se manifesta como ato falho.

 

O mundo está sempre mudando, e com ele o conceito do que é certo e o que é errado.  O que antes era reputado como valor, com a refinação moral agora é visto como um defeito.

 

Para a mudança de hábito, é preciso descobrir o gatilho que o mobiliza, além da recompensa que ele traz. A mudança se inicia pela decisão, aliada à motivação, que ativa a vontade. É preciso  renunciar à recompensa destrutiva que o hábito viciado traz e para isso é preciso cultivar o prazer positivo, aquele que preenche o vazio da falta, na forma mais plena e perene possível. O prazer do gozo, em si, não é bom e nem é mal, depende da motivação e da forma como o obtemos.  Há um outro prazer igualmente importante que advém da ânsia de algo que transcende o sensorial, que vai além, que alimenta o espírito. O prazer do amor, em seu sentido mais profundo. Quanto mais alimentamos o espírito, mais fácil mudar hábitos viciados no prazer negativo.

 

 

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