Ética, Instintos e Pulsões - Virgínia Leal


           

Quando alguém é violento ou cruel, é comum ser dito que essa pessoa não é humana. Na verdade, entre os animais, só o homem é cruel e violento. O animal é agressivo, ou seja, usa essa potência nas situações de perigo e de ameaça à sobrevivência. Agressividade é diferente de violência. A agressividade humana é uma força que bem canalizada impulsiona o homem à atividade, a enfrentar desafios, a empreender. A violência é um distúrbio psíquico cuja impetuosidade descontrolada viola o direito do outro, seja no âmbito sexual, urbano, verbal, psicológico e não depende de provocação da vítima. A violência é produto sócio cultural.

 

E o que isso tem a ver com ética? Partindo do pressuposto que a ética é a forma de organizar e estruturar o convívio em sociedade, o seu principal objeto de controle é a agressividade. O que mobilizou as pessoas a aderirem a esse sistema de regras foi a promessa de proteção dos perigos e da agressão. A ética, portanto, é algo imposto, um adestramento. Ocorre que o descumprimento desse pacto trouxe revolta e com ela o fomento daquilo que se queria reprimir. A agressividade perverteu-se em violência.

 

Diz-se, ainda, que o indivíduo não tem controle de seus instintos e isso interfere na conduta ética. De início, há que distinguir instinto de pulsão. O instinto é uma programação, um comportamento genético e herdado,  próprio de uma determinada espécie animal e o ser humano também o tem. É o impulso  que o prepara para a sobrevivência e preservação da espécie. O instinto surge em situações pontuais para preparar o corpo e a mente para reagir ao perigo. Afastado o perigo, o instinto deixa de atuar.

 

Já a pulsão é uma força constante que impulsiona um comportamento indeterminado, que tem por função a satisfação. Há pulsão de vida, de morte, de sobrevivência, sexual, do ego e outros. É um estado constante que pressiona a psique em busca da satisfação do desejo e do prazer. É um ímpeto, uma força que provoca impacto na dimensão psíquica. É algo que nos habita e nos toma, nos atravessa, nos instiga. Ela nos leva em direção ao que falta. E o que nos falta é um vazio impreenchível plenamente. É esse não preenchimento que impulsiona o indivíduo a se movimentar na vida, a viver. Enquanto o instinto é natural, a pulsão é uma construção psíquica para atender ao desejo.

 

Tanto o instinto quanto a pulsão são fenômenos involuntários, assim como as emoções e sentimentos e o que define a singularidade de um indivíduo é o que ele faz com essas forças. A contenção da pulsão é  terreno complexo e delicado que pode descambar para formas inconscientes nomeadas de sublimação, recalque e repressão. Essa barreira à pulsão não o elimina e causa pressão. Essa pressão manifesta-se em forma de sintomas como a compulsão, pensamentos repetitivos, ansiedade e muito mais. A livre vasão da pulsão vai de encontro aos preceitos éticos porque causa danos ao equilíbrio psíquico do indivíduo e pode violar o direito do outro. Ainda que sejam forças involuntárias, é possível ativar a mente para não agir a partir delas.

 

Instintos e pulsões são amorais, não se adestram à ética. São fatores que dificultam a assimilação e prática moral, mas não a inviabiliza. É preciso tomar consciência da existência desses impulsos que habitam no inconsciente, para evitar que eles nos dominem. E usar a mente para controlá-los e canalizá-los a favor do aprimoramento pessoal. Para isso, o homem é dotado dos instintos de criatividade e capacidade de reflexão, para tentar sanar a angústia da falta. É isso que mobiliza o homem a buscar dentro de si algo que transcende aquilo que é genético e psíquico, algo numinoso, divino, simbólico e sagrado.

 

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