A Loucura Nossa de Cada Dia - Virgínia Leal

 


            Pode parecer absurdo afirmar que há loucura no cotidiano. É que nos acostumamos a tratar como normal o hábito, a atitude, o comportamento comuns, ou seja, aqueles que a maioria pratica sem questionar. O exercício que faremos agora é questionar a normalidade atribuída a certos padrões habituais.

 

            Estaria em pleno gozo de suas faculdades mentais aquele que não respeita seu metabolismo interno? Que acorda às cinco horas da madrugada para trabalhar quando seu corpo pede para dormir até às sete? Que come o que lhe faz mal e mais do que o organismo precisa? Que não atende  à premência dos movimentos peristálticos ou dos órgãos excretores porque não pode parar? Que não respeita a necessidade de repouso físico e mental? Que não percebe mais a resposta sensorial aos estímulos a que é submetido? Que perdeu a sensibilidade de sentir?

 

            Se tivéssemos uma mente sã buscaríamos conciliar o que pensamos com o que sentimos e com o que fazemos. Não perderíamos o precioso tempo que não podemos recuperar com discussões inúteis, no vão esforço em querer ter razão. Não venderíamos horas valiosas de vida para adquirir coisas. Não teríamos por meta a acumulação de dinheiro e bens, que muitas vezes nem temos oportunidade de desfrutá-los.

 

            É loucura espalhar lixo que nos retornará em forma de poluição. Desperdiçar comida que faltará a alguém. Habitar sozinho uma casa projetada para muitos, enquanto outros moram na rua. Provocar o desmatamento que nos asfixiará.

 

            É normal agir contra os próprios interesses e nem atinar disso? Aceitar e até contribuir com a opressão de alguém sobre si? Promover o auto boicote e ter comportamento auto-destrutivo? Agir como se tudo estivesse bem, enquanto o mundo desmorona a seu redor?

 

            Não, não podemos dizer que gozamos de saúde mental. Perdemos a capacidade de nos relacionar com o sofrimento e com a frustração. Não sabemos lidar com o conflito, com a diversidade de maneiras de ser, com pensamentos que abalem nossas certezas.

 

            De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), "A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Tendo por base esse conceito, ninguém, em toda a humanidade, goza de saúde. Bem-estar físico, mental e social completo ninguém o tem.

 

Esse estado de ser é incompatível com a natureza humana, que é contraditória, muitas vezes incoerente e conflituosa. Não é possível manter um estado completo de bem-estar de qualquer natureza. Haverá sempre momentos de dor e sofrimento que precisam ser aceitos, validados e acolhidos.  

 

            Goza de saúde mental aquele que é consciente de sua loucura, seja ela aquilo que se entende por transtornos ou enfermidades mentais. Usufrui de sanidade aquele que busca a melhor forma de se relacionar com o desatino. Aquele que segue na direção do bem-estar físico, mental e social, nele incluindo e o conciliando com o bem-estar dos outros.

 

            A maneira como nos relacionamos com os sentimentos e emoções,  como respondemos aos estímulos internos e externos, seja na busca de realizações, seja no enfrentamento de desafios e obstáculos, irá sinalizar como está nossa saúde mental. E o nível de consciência dessa condição determinará a capacidade de desenvolver o bem-estar tão desejado.  

 

 

 

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