O Sofrimento na Loucura - Virgínia Leal

 



            O culto à aparência de felicidade rejeita qualquer forma de sofrimento. Vale qualquer coisa para ostentar alegria, contentamento e bem-estar. Para abafar qualquer percepção de dor e sofrimento come-se em excesso, trabalha-se em excesso, compra-se em demasia, bebe-se, fuma-se, festeja-se freneticamente. Tenta-se abafar o sofrimento pelas compulsões que insensibilizam. Se nada disso funcionar, recorre-se às drogas farmacológicas. Ansiolítico para dormir, antidepressivo para acordar. Medicação para não ser afetado pelos estímulos de toda hora, por um lado,  e evitar virar “zumbir”, por outro.  Precisa-se  desesperadamente “voltar à normalidade”, para ser respeitado, aceito, admirado e validado. O indivíduo não se dá conta de que foi tomado pelo delírio da felicidade.

 

            Esconder o sofrimento é a loucura da modernidade. A tentativa de estar em conformidade com o sistema de referência social leva as pessoas à alienação de quem de fato são. Tornaram-se atores e atrizes no palco da vida, sem plateia e sem fama. Marionetes movimentadas por mãos invisíveis, puxados por cordões que elas mesmas teceram.  

 

            Diz-se que a loucura consiste na perda da noção de realidade. Entretanto, todos nós vivemos num mundo fictício, o mundo dos pensamentos, dos conceitos, da mente, das ideologias, dos estereótipos, das crenças, das ideias pré-concebidas, dos valores artificialmente construídos e que mudam de acordo com a conveniência. O contato com a realidade está cada vez mais raro e distante. Lacan já dizia que o diagnóstico mais desesperador é a normalidade. A humanidade vive uma loucura coletiva.

 

            É considerado louco aquele que escapa ao padrão de normalidade. Ele é uma ameaça àquilo que está pré-estabelecido e à pseudo segurança psicológica oferecida pelo sistema civilizatório. Aqueles que ousam sair da “caixinha” sofrem forte repressão. Abençoada seja a  genialidade em sua autenticidade inventiva,  que desafia a loucura conhecida por normalidade.  Abençoados são os curiosos, os “excêntricos”, os contestadores, os rebeldes, os afoitos e aventureiros, porque provocam o desconforto necessário para sacudir os mortos vivos.

 

            O sofrimento é inerente ao ser humano. Ele é originário da consciência da própria existência e de sua finitude. Vem também do choque com a civilização e seu sistema dominador e tirano. Toda dor, angústia e desespero são derivações desse saber, dessa percepção empurrada para o inconsciente. Para esse sofrimento não tem cura. Pode-se tentar amortecê-lo, substitui-lo por outros, mas ele sempre se fará presente, ainda que não se  possa identificá-lo. A depressão é o sofrimento pressionado para baixo, abafado. A ansiedade é a sombra da dor que se quer evitar, é ela ameaçando emergir. A patologia está em negar a existência da dor e na resistência em sentir.

 

            As  dores da existência precisam ser identificadas para que se aprenda a lidar com elas. A verdadeira felicidade está na força para suportar o sofrimento inevitável. Ele nos dignifica e nos engrandece. É um fenômeno que se processa no corpo, onde ele é elaborado, sentido e exaurido, até nova onda se formar e percorrer seu trajeto. Ao aprender a se relacionar com o sofrimento, sentindo seus efeitos no corpo, deixando essa pulsão seguir o seu curso, estaremos adquirindo resiliência que nós trará potência de vida. É ele que nos move, que estimula a criatividade, a inventividade, a arte.

 

Quanto melhor lidamos com o sofrimento, mais amadurecemos emocionalmente, menos ele nos domina. Alienar-se do sofrimento é um subproduto da loucura de se tentar ser normal. Para ser feliz é preciso saber conviver com a loucura e com o sofrimento. Só assim abriremos espaço para as coisas boas da vida.

 

           

 

 

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