Cuidando de quem cuida - Virgínia Leal

 

 

            Desde que a Constituição Federal de 1988, regulamentada pelo Estatuto do Idoso, determinou as diretrizes de assistência a essa população, entidades governamentais e não governamentais, assessoradas por várias modalidades de especialistas em envelhecimento e direitos do idoso, vêm elaborando e implementando políticas públicas com esse fim.

 

            As premissas dessas políticas abrangem, de um lado a proteção à autonomia e autodeterminação do idoso, e de outro, a assistência e o acolhimento dele, prioritariamente pela família. A atuação do cuidador agora é regulada e passou-se  a exigir do cuidador familiar a sua adequação aos marcos regulatórios.

 

            Entre os estudiosos do assunto, é muito discutida a dificuldade da família moderna em atender às necessidades do parente em processo de envelhecimento. Vários são  os fatores, entre eles a falta de disponibilidade de tempo dos filhos e o fato de não residirem com o idoso ou próximos a ele ou até mesmo residirem em outro Município ou Estado.

 

            Há outras questões a se considerar como a educação contemporânea dos filhos, que não inclui a valorização do idoso e a habilidade do cuidar. Os próprios papeis culturais de pais e filhos não contemplam a inversão de posições, onde os filhos passam a ser cuidadores dos pais. Somem-se a isso as questões emocionais decorrentes de desafetos ou fragilidade de vínculos afetivos em famílias desfuncionais. Acresça-se, ainda, a falta de vocação e o despreparo para bem desempenhar essa ocupação.

 

            Ainda no campo afetivo, observa-se que a maioria das famílias não estão atentas e preparadas para o envelhecimento do ente familiar, em especial dos pais e isso acarreta um padrão de comportamento, que vai desde a negação ou indiferença ao declínio psíquico e fisiológico, à tentativa de controle do idoso e de conter o inevitável processo, trazendo sérias repercussões emocionais ao idoso. Ocorrem conflitos familiares quanto aos procedimentos e providências a serem adotadas, em especial referentes aos cuidados compartilhados entre os familiares. 

 

            A evolução fisiológica do idoso é inversa à da criança. Quem cuida de criança tem os cuidados diminuídos à medida que ela cresce. Já quem cuida do idoso sabe que o grau de dependência aumenta à medida que evolui o processo de senilidade.  

 

            Dessa forma, o cuidador familiar lança-se na tarefa, muitas vezes involuntariamente e totalmente despreparado no âmbito psicológico e de capacitação. Há, ainda, o agravante da proximidade afetiva à pessoa que está recebendo a assistência, que pode comprometer a qualidade do cuidado e as condições de vida do cuidador. Como já foi dito, o vínculo afetivo pode ensejar excesso de zelo e imposição de controle que interfere na autonomia do idoso, gerando atrito. Por outro lado, o cuidador familiar sofre conflitos internos gerados por reações emocionais decorrentes do desgaste físico e psicológico do ato de cuidar. 

 

        Nesse cenário observa-se, em muitos casos, a necessidade de mediação e assistência de profissionais especializados, entretanto a família não tem conhecimento desse recurso ou tem escrúpulos e sente constrangimento de expor situações tão delicadas e íntimas. Entre os profissionais que podem ajudar estão o assistente social, que tem competência para contribuir para o convívio familiar saudável com o idoso e para a mediação de conflitos familiares, quando solicitado. O psicólogo também atua nessa área.

 

            O cuidador familiar precisa de autocuidado, de recuperar as forças físicas e psicológicas para oferecer efetividade no cuidado. Isso importa em repouso e atividades de lazer, além de diversificar o ambiente. Há grupos de apoio de cuidadores que promovem ajuda emocional, a partir da interação e troca de experiências, além de amparar e orientar os cuidadores em seu mister. A família, por sua vez, precisa estar atenta às dificuldades de toda ordem enfrentadas pelo cuidador. É preciso cuidar de quem cuida.