Virgínia Barbosa Leal

  A vida humana se move em espiral que se abre e se fecha em pequenos ciclos.  Giro em torno da vida e ela me conduz. Às vezes sou tão lenta que não acompanho a rotação da vida. Outras vezes minhas piruetas são tão rápidas que me antecipam ao próximo anel sem que eu tenha fechado o anterior. Quando giro em torno de meu eixo, ele me traz de volta ao ritmo da vida. Danço com as histórias e elas dão o tom alegre ou triste, lúdico ou sinistro. Tons que modelam as narrativas em forma de memória. Bailo com a melodia dos pássaros que me enleva e me desenha o sonho. Sonho voando com pássaros pelo mundo sem fim. Desenho a coreografia com a tinta das experiências, como o mapa que me levará ao tesouro esquecido. Sigo as badaladas solenes das horas, a me lembrar que não tenho mais tempo. No último suspiro, me agarro à vida e um novo ciclo se abre.

    “É necessário que matemos o pai e a mãe imaginários, caso contrário passaremos a vida a lutar contra moinhos de vento.” Paulo Passos – Psicanalista    Faz parte do processo de maturidade libertar-se dos comandos repressivos internalizados de forma exacerbada, supondo terem vindo dos pais.    Enquanto criança a mente ainda está em desenvolvimento, é compreensível que ela internalize pai e mãe imaginários, seja os idealizando, seja exagerando nos traços assustadores.   Em ambos os casos, vê-los apenas bons ou maus é desumanizá-los. Todas as pessoas têm um grau de todas as qualidades e defeitos, e vê-las sob um único ângulo não corresponde à realidade.   Para se libertar dessas figuras imaginárias é preciso ver os pais como pessoas falíveis, assim como qualquer um.    Quando isso acontece, a relação com Deus se modifica, porque o dissociamos  das figuras paternas.  Deixamos de ser aquela criança defensiva e dependente de ...

Traição é a quebra de um compromisso que gera perda de confiança. Quando se trata de relação afetiva, esse compromisso é implícito de fidelidade. Fidelidade e lealdade não são a mesma coisa. Lealdade vai além da fidelidade, é um valor humano que consiste na qualidade da retidão e de ser confiável. Lealdade é mais abrangente que fidelidade. A pessoa fiel cumpre com o compromisso por ser uma obrigação, quem é leal o faz por senso de responsabilidade, cuidado e amor. Mas o que é considerado infidelidade? A maioria das pessoas entende que é traição sexual. Então, se não houve consumação sexual não é infidelidade? Penso que não. Flerte, troca de carícias, cortejar, namoro virtual são atos de infidelidade, porque são atos que deveriam ser privativos à pessoa com quem se firmou o compromisso de fidelidade. Na verdade, qualquer contato ou convívio que desvie o afeto da relação em algum nível é infidelidade, porque introduz uma terceira pessoa entre os dois, enfraquecendo o vínculo. Entretanto,...

  “ Morrem os gritos e o clamor, Passa dos reis o vão poder Ainda teu antigo sacrifício permanece, Um humilde e contrito coração. ” (“God of Our Fathers, Known of Old”,   Hymns , no 80)   Há eventos que nos atinge de forma tão avassaladora que nos despedaça o coração. A perda de um ente querido, passar por constante abuso, sofrer um trauma.    Sob outro prisma, aquele cujo espírito é rígido, teimoso, intolerante passa por situações na vida que lhe quebra o espírito, para que se torne mais flexível, tolerante e submisso à Vontade de Deus.   A rigidez impede o leve fluir na vida, a teimosia é  falta de fé, a intolerância é a recusa em aceitar a própria falibilidade.    Então o divino revela a impotência diante das adversidades, e se pode escolher se libertar dos equívocos, rendendo-se à Vontade Divina.   Um dos principais defeitos que tenho é a teimosia. Foi uma reação às experiências infantis que me fez sentir desamparada e insegura ...

    A mente não é confiável. Ela não é uma máquina fotográfica que registra fidedignamente a experiência. Ainda que fosse, só mostraria o ângulo enfocado.   A mente é um composto de percepção, pensamento, emoções decodificadas com base no repertório de conhecimento, experiências anteriores e sofre influência daquilo que acreditamos.    A mente preenche lacunas da lembrança, fantasia, imagina, cria. É moldada para que a lembrança seja suportável, tolerável. Também faz o inverso, cria uma versão que combine com a leitura da reação emocional ao evento.    Minha mente já adotou como sua a experiência de outra pessoa, já transformou em lembrança algo que conheci apenas por relato. Acho que isso aconteceu porque na minha infância tive minhas percepções negadas pelos adultos. Por isso, deixei de falar sobre elas e criei minha própria realidade.    Mesmo que a mente não seja confiável, é o que temos, e duvidar de tudo que ela nos reporta pode levar à...

  “O trauma tem a característica de impor uma mesma lembrança.” Crhistian Dunker    Trauma emocional é a resposta a eventos angustiantes que a mente não consegue lidar. O trauma cria uma imagem em forma de lembrança cristalizada, ou seja, a mente não é capaz de trazer alternativas ao acontecimento, novas formas de interpretar o ocorrido.    Para diminuir o impacto gerado pelo evento, a mente o joga no inconsciente, e quando a memória chega, vem distorcida por não ter sido elaborada adequadamente. Entre as imprecisões na lembrança está a fantasia, e a sensorização dos afetos.   Tudo que é reprimido uma hora vence as barreiras e se manifesta. Ainda que esteja no inconsciente, a mente repetidamente cria situações semelhantes, ou para confirmar a impressão registrada, ou para dar um novo desfecho.    É preciso se abrir para a possibilidade de que a lembrança pode não ser fidedigna à ocorrência, por estar comprometida pelas reações emocionais.   R...

  Quando se é criança, a finitude não é alvo de preocupação, e os jovens acham que são imortais.   Quando se é idoso, não se pode ignorar a morte, pela proximidade com ela.   Na verdade, não há idade para se findar a existência, a qualquer momento pode acontecer.    A morte é o medo básico do ser humano, por isso temos um mecanismo de defesa que apaga essa possibilidade da mente.   Só nos lembramos dela quando alguém próximo morre, e mesmo assim, com pouco tempo ela volta ao esquecimento.    Se tivéssemos consciência da finitude, aproveitaríamos melhor o tempo, não nos projetaríamos para o futuro ou ficaríamos presos no passado.    A consciência da finitude ajuda a focar no que realmente importa, não perder tempo com mesquinharias, ou coisas de menor importância, cuidar melhor dos relacionamentos.    Para isso, é necessário aceitá-la como algo natural e inevitável, só assim afastaríamos o medo dela e não teríamos medo de viver....

  “Neurose e paranoia são lentes para ler o mundo cuja armação tem duplo sentido.” Paulo Ricardo Zargolin   Ouvi em uma rede social um conceito de neurose muito esclarecedor (@cleveabreu), “a neurose é a permanência do infantil, na idade adulta.” Todos nós temos uma dose de imaturidade, portanto, todos somos neuróticos.    Ela acarreta mecanismos de defesa, como a histeria, fobia e obsessão.  Neurose é a forma que a criança encontrou de se defender ou para sobreviver emocionalmente a eventos que a afetaram fortemente.    Há outros mecanismos de defesa como agressividade, submissão e retirada emocional. Orgulho, obstinação e medo também são defesas emocionais.   Entendo que, como toda pessoa tem um aspecto imaturo em sua personalidade, a neurose é comum a todos, variando apenas na forma e no grau.    Creio que deve haver uma linha divisória tênue entre a neurose constitutiva e a patológica.    Penso que quanto mais a neurose afa...

    “ A felicidade não faz parte dos planos da criação. “ Freud   Vivemos num mundo em que as pessoas não aprenderam a lidar com a frustração. Um dos motivos é a permissividade exagerada na educação das crianças,  os pais não dão limites. Outro motivo  é a impregnação de imagens vindo  das mídias sociais expressando uma vida ilusória perfeita, a fantasia da permanente felicidade.   Em sendo assim, o sofrimento e a dor não tem guarida, e para não sentir vale entorpecer-se com todo tipo de droga.  Só que esse escudo não é inviolável,  à menor contrariedade a pessoa  se rebela, muitas vezes acometida pela fúria.   A redoma de vidro criada para proteger quebra com a maior facilidade à menor frustração, e como ser infeliz é proibido,  a solução é eliminar o que se supõe ser  o  impedimento de ser feliz, seja uma condição, seja uma pessoa. Penso que  os crimes passionais é resultado dessa infantilidade mórbida. ...

    Se queres me conhecer, não adianta revolver meu passado, eu não estou  mais lá.   De nada serve saber de meus feitos  e desfeitos, quem os praticou não está mais aqui.   É inútil se basear na minha profissão  e nos papeis sociais que ocupo, isso está na superfície e não me diferencio  de muitos.    Sou feita de “um mosaico genético  de minha família extensa,  uma combinação única de traços de minha linhagem.” (@tatianemeinhardt). Mas não só isso.    Sou o produto das experiências que vivi, das escolhas que fiz, dos desafios que enfrentei, dos sucessos e dos fracasso que tive.     Sou composta por todas as pessoas com quem interagi, pelos afetos e desafetos.   Mas, para me conhecer de verdade,  há um caminho que revelará  as transmutações que vivi e vivo: estar atento e ter curiosidade por mim,  me observar, me ouvir das diversas formas possíveis, e principalmente  se vincula...

  Quanto mais envelheço, menos importância dou ao futuro, mais constato que ele é um artifício mental para não ficar inteira no agora.    Percebo que o futuro é feito de esperança pueril ou ameaça despropositada. É algo inalcançável, pois é feito de expectativas e projeções infundadas.    O futuro só existe na mente enquanto ideia, é algo que não se materializa, por não ter substância, consistência nem vitalidade.    O tempo se movimenta de tal forma que passado, presente e futuro coexistem. Há um intervalo de tempo entre a percepção ótica que temos e o tempo do evento que testemunhamos. Há um tempo para a imagem chegar em nosso cérebro e de processarmos essa imagem. Assim, o que vemos já é passado manifestado no presente. E se projetamos essa imagem no tempo, já passa a ser futuro.    Quanto mais envelheço, menos tempo tenho de vida, menos valor dou ao futuro. Em vez de olhar para o horizonte, olho o meu entorno, em vez de planejar, sigo o f...

    Sou suscetível à fantasia, ao fantástico, ao imaginário. Por isso, me torno influenciável, me abro para qualquer possibilidade, só depois de um tempo é que submeto aquilo que vejo à análise crítica.    Por essa razão, ainda que eu saiba que o que se posta nas mídias sociais é apenas uma imagem do que se quer apresentar, no primeiro momento sinto inveja da aparente felicidade.   Isso me causa duplo sofrimento: pela falta daquilo que o outro expõe ter e pela fatal desilusão do que supus.   Entretanto, este estado de espírito me abre para acessar um universo que a razão recusaria e por isso me expando. Se o preço a pagar dessa condição for esse falso sofrimento, o tempo me ajudará a separar o real da quimera, sem prejudicar minha criatividade.   

    “ Solidão é quando a gente experimenta um déficit de intimidade nas nossas relações... Eu não consigo sentir que minha experiência de vida e a minha dor importam para o outro.” André Alves   Grande parte da minha vida me senti só. Uma solidão que experimentada por não  me sentir hábil em me socializar. Mesmo por aqueles com quem tenho contato, com quem tenho mais proximidade, sinto que não sou compreendida ou que alguém não me escuta de verdade.   Depois descobri que na verdade a solidão que sinto é própria da natureza humana, decorre da impossibilidade de que alguém consiga me conhecer em profundidade,  já que eu mesma não consigo me acessar nesse nível.    A palavra e seus conceitos não bastam para representar o que penso e o que sinto. Eu mesma muitas vezes não tenho clareza ao me expressar.   A solidão estrutural é algo contra a qual não posso lutar, mas posso mitigá-la  na medida em que venço a barreira  do isolamento e dim...

  “Ao persistirem os médicos, consulte os sintomas” Tom Zé   Para a angústia não há cura. É algo inerente ao ser humano, muitas vezes deflagrada por conflitos internos ou indecisão diante de múltiplas escolhas.   Sintomas são uma realidade cifrada, revelam o que está escondido,  me modelam a personalidade,  me confrontam com aquilo que não quero ver. Os sintomas são alertas para algo que precisa ser visto.   Sintomas não são indicação de patologia, são formas de expressão do ser. Cristian Dunker diz: “Foi o melhor que eles (os pacientes) conseguiram produzir com seus conflitos e contradições... o melhor que eles conseguiram fazer com as condições que a vida lhe impôs”.    O sintoma está baseado em uma memória, um desejo não aceitável para a pessoa, então é jogado no inconsciente porque lembrar dói demais.    É preciso sentir a dor para atravessá-la, ainda que por um tempo eu me torne disfuncional. A dor conduz quem está disposto ao confr...

    “Se é fácil de sair da relação, você nunca entrou”. Fabrício Carpinejar   Eu tive três casamentos, dois deles foram duradouros. O primeiro e mais breve, nós não nos separamos, eu apenas não o segui. E porque não houve fechamento, ele sempre esteve à sombra de outros que tive.    E por ser um amor mal resolvido, eu o idealizava, e ele serviu de parâmetro para outros dois, que não eram páreos para o primeiro. Ao ouvir a fala de Carpinejar, penso que nunca estive inteira neles, tinha sempre um pé fora.    Ainda assim, não foi fácil sair deles. Eu criei uma expectativa inalcançável, cujo resultado só poderia ser frustração.    Mas o vínculo que se formou entre mim e eles não se dissolveu. Uma convivência duradoura não acaba da noite para o dia. A separação física não basta para se dissociar.    Separar é a tentativa de pegar de volta o eu perdido, é voltar a me reconhecer como indivíduo, é me extrair da amalgama do relacionamento. É...

  A visão que tinha das pessoas, dos acontecimentos, do mundo estava turvada por uma lente formada por medo e apego. Medo de que algo ruim aconteça ou que aquilo que quero não se realize; apego a pessoas, coisas e ideias, ao que me leva ao sentimento de posse.   Sendo assim, não era capaz de ver a realidade e as pessoas como elas são. Engessava pensamentos, vivia em estado de alerta e me defendendo aleatoriamente, perdi a liberdade e a autonomia, tornei-me dependente daquilo que temo e do que possuo.    Só o desapego foi capaz de me libertar da possessividade e de amenizar o medo. Mas preciso estar atenta para não me envolver de novo por esses sentimentos que estão sempre à espreita, à espera de um vacilo meu. A cada dia me empenho em limpar a lente que encobre a realidade. 

  “Para ser grande sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa.  Põe quanto és no mínimo que tu fazes. Assim, em cada lago, a lua toda brilha porque alta vive.” Fernando Pessoa – Para ser grande   Enquanto vivo minha autenticidade, sou altaneira. Não no sentido de orgulhosa ou arrogante, o que em alguns momentos também sou, mas aquela que se eleva em sua genuinidade.    Ao me expressar por inteira, sobrevoo a mim mesma, e do alto vejo a vida soberana em si mesma.    Ao ser singular, reúno-me as partes destacadas, como peças que se encaixam de um humano quebra-cabeças.    Ao ser altaneira, me ergo em minha humilde altivez, estendo-me o brio e a dignidade, desenho minha assinatura humana.     Na plenitude me encontro, sou farol e estrela que me orienta quando estou perdida, reflito a luz lunar que envolve os enamorados, uno-me aos vagalumes humanos que deixam a noite mais clara e lúdica. 

  Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema: Para guardá-lo: Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: Guarde o que quer que guarda um poema: Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar.” Antônio Cícero – Poema Guardar   Gostaria de ter escrito esse poema porque é exatamente isso que quero dizer. Entretanto, se não posso me apropriar dele, o faço com minhas palavras:   Escrevo por zelar pelo que me foi confiado Por ser depositária de algo que vai além de mim   Escrevo para registrar o que me foi entregue  Para sorver cada palavra em seu significado Para aquilo que veio de mim se propague e ao voltar para mim  lá encontre guarida   Escrevo para publicar, lançar aos quatro ventos, noticiar Porque é para isso que vim, que nasci, que me criei Por ser o arauto escolhido  para proclamar o que me é sagrado  e sacralizar o humano em mim   Escrevo e publico par...

  Para quem está de fora, é difícil entender por que há pessoas que não buscam  a realização de seus sonhos, não  se mobilizam para conquistar o que desejam, não procuram fazer coisas que as fariam felizes.   Respondo a partir do meu ponto de vista:  Às vezes a pessoa foi tantas vezes reprimida e desqualificada que não acredita em si mesma, não se acha merecedora da felicidade, ou não acha possível conseguir o que quer.    Outras causas possíveis são insegurança, timidez, fragilidade ou dificuldade  de se relacionar.     O sistema de crenças é um fator determinante que impede a pessoa  de seguir em direção a seu objetivo.   Para quem tantas vezes já se deu mal  ao se relacionar, já sofreu tanto, é confortável a solidão. Ou então acredita que já passou seu tempo e pensa que ninguém mais se interessará por ela.   Quando eu era casada, culpava o marido por eu não seguir com meus sonhos. Precisei me separar dele para...

    “O que mais atrai e conecta as pessoas é a vulnerabilidade, não é a força nem a perfeição... não tem mais que transforme as pessoas do que pessoas sendo pessoas, tirar essa máscara de perfeição que não existe. “ Emanuelle Sales    É comum confundir vulnerabilidade com fragilidade, bem como sensibilidade com suscetibilidade. Vulnerabilidade é a ausência de controle, e a confiança no fluxo da vida, é rendição e entrega. Isso importa em se sentir sensível e exposto a uma situação ou condição que tira a pessoa da zona de conforto. Em outras palavras, é o eu sem defesas, sem máscaras, sendo ele mesmo.   Há uma diferença entre sentir-se vulnerável e exibir essa condição, que só deve acontecer num ambiente de confiança e respeito.    A vulnerabilidade é a condição que precede as experiências mais significativas da vida. Se eu estou vulnerável ao passar por elas, significa que estou nelas por inteiro, e o resultado sempre será positivo, sejam elas boas ou ...

  “A neve e as tempestades matam as flores mas não podem nada com as sementes.” Khalil Gibran   Quando eu me aposentei, passei por  um bloqueio criativo que durou quase dois anos. Pensei que tinha perdido a mão para escrever, e isso me deixou muito triste. De uma hora para a outra  a inspiração voltou, como se eu tivesse girado uma chave que nem sabia que tinha.   As adversidades e infortúnios podem amortecer, mas nunca destruir aquilo que pertence ao ser eterno. Este sobrevive  a qualquer situação, por mais difícil  e dolorosa que seja.    Os atributos e talentos jamais morrem, ficam apenas adormecidos à espera de serem ativados.    Nunca renuncie a quem você é nem  se submeta a situações em que você precisa fingir ser outra pessoa.    Pessoas vão e vêm, momentos bons  e ruins passam, alegrias e tristezas se alternam por força da impermanência  da vida. Mas o espírito é inquebrantável, permanece impassivo a...

  “Vida boa é a vida vivida nos seus termos.” Christian Dunker   O ser humano precisa de referencial para se situar na vida e no mundo, para não se sentir solto, para pertencer, para se entender.   Eu me angustio quando tenho sintomas e não sei qual a sua causa, quando não consigo nomear o que sinto. Quando o médico me dá um diagnóstico me sinto aliviada, não apenas porque posso me tratar, mas porque há uma determinação, um enquadramento.   Mas isso é uma faca de dois gumes. Deixar que parâmetros me definam é renunciar à autonomia enquanto indivíduo.    Há, por exemplo, pessoas que se escondem por trás de um diagnóstico para justificar os seus atos inadequados, supondo que assim afastará o julgamento de seu caráter.    Um outro aspecto que merece atenção é quando a pessoa não se encaixa em um padrão, e isso autoriza as pessoas a julgá-la como inadequada. Normose é a atitude de pessoas que seguem rigidamente o padrão de normalidade pré-definido, nã...

  Cultivar   No senso comum, a pessoa culta é aquela detentora de vasto conhecimento, e que aprecia as diversas formas de expressão cultural.   Falo da capacidade de cultivar bons pensamentos e sentimentos, de semear o bem, de empenhar-se em explorar meus potenciais e através deles fazer diferença no mundo.    Cultura, por sua vez, pode ser entendido como o acervo de valores e conhecimentos transmitidos de geração a geração. Assim, a pessoa culta é aquela que se empenha em cultivá-los.    Nesse sentido, cultivar é trabalhar e cuidar da personalidade e do caráter, de forma a desenvolver aptidões, boas qualidades e virtudes.    Cultivar, portanto, seria praticar a semeadura do bem e cuidar para que prospere e dê bons frutos. Nessa vertente, a pessoa culta é aquela que se empenha em cultivar, não só a cultura que herdou, mas em particular o seu progresso pessoal.   

  De todas as virtudes, a humildade é a mais venturosa. O orgulho é a causa de todos os males. Há uma diferença entre a pessoa ser humilde e se humilhar ou ser humilhada.    Humildade é a capacidade de reconhecer as próprias limitações, assumir a responsabilidade por seus erros, ser grato, e submeter-se à Vontade de Deus.   Humilhar-se, por sua vez, na conotação pejorativa, significa submeter-se a outra pessoa, rebaixar-se, renunciar à dignidade.   Ser humilhada é ser reprimida, receber críticas infundadas e em público, receber tratamento humilhante.   A humildade é o exercício de quebrantar o orgulho, de se aceitar como se é, nem mais nem menos. É se ver humano e falível, é tratar as pessoas com respeito e gentileza, não importa sexo, cor ou nível social.    A pessoa orgulhosa precisa quebrantar o espírito e se render à Vontade de Deus. Aquele que não aceita a vida como ela é, que tenta desviar seu caminho, tem o espírito quebrado pelas adversida...

    “O espelho é o maior dos silêncios, só eu e eu”. Matilde Campilho    No mundo de ruídos, é difícil cultivar o silêncio. Ruídos de todos os tipos, desde o burburinho à buzina de carros, são tantos e o tempo todo que precisei criar um mecanismo que os neutraliza:  ou o substituo por outro som, como a música, ou ruído por ruído, como o do ar-condicionado. Ainda que essa estratégia funcione, não evita que os ruídos penetrem nos ouvidos e produzam efeitos.    O mesmo acontece com os ruídos mentais. Tento abafá-los focando a atenção em outras coisas, mas eles continuam a existir como pensamento de fundo.   O exercício do silêncio exige a atenção plena, focada no aqui e agora, deixar que os pensamentos venham e deixá-los ir.    Mas surge o medo de que surja aquilo que estou evitando entrar em contato. Tenho a fantasia de que algo terrível e monstruoso descobrirei a meu respeito.   À medida em que vou me conhecendo, fica mais fácil fica...

“Liberdade é fazer o que não se quer” Kant   É imatura e inconsequente a pessoa que só quer fazer o que quer. Só fazer o que quer a torna escrava do desejo, impulsiva e tendente a pulsões muitas vezes deletérias.    Liberdade é a capacidade de fazer escolhas criteriosas e adequadas para cada situação. E quando falo de adequadas não quero dizer convenientes ou que seja boa apenas para si, a escolha deve considerar também o outro.    Não é livre quem tem apego exagerado às coisas ou a alguém. Quem é dependente emocional. Quem não tem domínio sobre a própria vontade, quem tem emoções desgovernadas.     Não é livre quem não se conhece, e por não se conhecer é surpreendido com atitudes que reprova vindas do inconsciente.    Liberdade importa em assumir a responsabilidade por seus atos. E livre quem tem domínio sobre si mesmo, quem está disposto a pagar o preço por suas escolhas.  Só é livre quem não se submete aos caprichos, quem não ali...

  Há quem diga que a angústia é o único sentimento que não mente. Eu identifico  a angústia como mal-estar com sintomas como aperto no peito, tristeza, sensação de vazio, intranquilidade.  São sintomas muito semelhantes com  a ansiedade, e muitas vezes as duas vêm misturadas.    O que diferencia a angústia da ansiedade é que a ansiedade é medo do futuro  e a angústia é a incapacidade de estar  no presente.    Eu já passei pelos três estágios da angústia definidas por Kierkegaard (referência feita por Pondé), a saber:   Tentei afastar a angústia ao buscar sensações de prazer, como o consumo, não funcionou, quando eu adquiria o que queria, ficava entediada.   Entrei na fantasia de que era uma pessoa boa, e me desesperei quando me vi imperfeita.   Busquei alento na religião, mas ela não me preencheu porque não consegui  me submeter aos dogmas, queria ter liberdade de pensar e escolher.    Tentei usar a fé como ...

  Voltou o debate sobre liberdade de expressão. O que se pretende defender  é que a liberdade é ilimitada, ou seja, ainda que se pratique ofensas, calúnia  e difamação.   Na contramão dessa defesa está a intolerância praticada pelos internautas, que ficou conhecida como cancelamento. O cancelamento, além de ser intolerante, pune o seu alvo. É um tribunal de leigos que tem o poder de trazer consequências desastrosas, em especial a pessoas públicas que perdem seguidores  e patrocínios. Sua prática é livre  de repressão.    O cancelamento é um paradoxo, de um lado viola o direito à liberdade  de expressão da pessoa cancelada,  de outro é defendido como exercício desse mesmo direito por quem cancela.    Penso que a tolerância é uma virtude  a ser estimulada, em função da paz social e da saúde nas relações. A aceitação  da divergência de opiniões favorece  o crescimento pessoal e é fator de soma que amplia a consciênc...